Quando pensamos em empresas inovadoras, é inevitável que venham às nossas cabeças empresas como Apple, Google e Facebook. Entretanto, existem empresas ditas tradicionais extremamente inovadoras que causariam surpresa na maioria das pessoas. Quem pensaria em uma empresa de distribuição de energia elétrica como inovadora? Afinal de contas, quanta inovação dá para colocar em um produto tão básico quanto a energia elétrica que sai das nossas tomadas?
Pois uma empresa brasileira de distribuição é extremamente inovadora em seu campo de atuação. Detecção de rompimento de cabos, sistema de diagnóstico de falhas, geração de energia por resíduos, entre outras iniciativas, são exemplos de inovação que reduzem custos, aumentam a segurança e melhoram o nível de serviço para o usuário final.
O estudo Innovation 1000, conduzido há mais de dez anos consecutivos pela Booz & Company, identifica três principais estratégias de inovação adotadas pelas empresas:
• Need seekers – Empresas que consistentemente buscam antecipar necessidades dos clientes. Exemplos de empresas com este perfil incluem a
Apple, Facebook, 3M, entre outras.
• Market readers – Empresas que adotam estratégias voltadas a aperfeiçoar e trazer melhorias no que já existe, aproveitando as tendências de mercado. Estas empresas estão constantemente atentas aos novos lançamentos dos seus concorrentes e conseguem reagir muito rapidamente a eles. Um exemplo notório, embora um pouco antigo, foi o lançamento do videocassete VHS, que veio a substituir o padrão Betamax no início dos anos 80 — embora de qualidade técnica inicialmente inferior, o VHS atendia à demanda dos usuários por maior tempo de gravação, que, aliada a outros fatores, conquistou a preferência dos consumidores.
• Technology drivers – Empresas que fazem uso intenso da tecnologia, tanto para aperfeiçoar o que já existe quanto para promover mudanças mais profundas. Neste grupo de empresas, encontram-se Google e Siemens.
Embora tenhamos casos de sucesso de empresas inovadoras seguindo cada uma destas estratégias, a percepção geral das pessoas tende a associar inovação mais com o grupo “need seekers”.
Mas, afinal, que características são comuns às empresas mais inovadoras? Uma coisa é certa: não é apenas o volume de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Ou seja, não adianta gastar muito se o gasto for pouco eficaz.
De fato, o que faz com que as empresas sejam inovadoras não é o “quanto” elas gastam, mas sim “como” elas gastam. O que distingue as empresas mais inovadoras das demais empresas é a sua habilidade de direcionar seus investimentos e de executar sua estratégia, combinando os elementos de geração de ideias, seleção de projetos, desenvolvimento e lançamento de produtos de forma bastante coerente entre si. Combinadas, estas características se complementam e se reforçam, gerando uma clara diferenciação das demais empresas.
O Brasil no ranking global
Mas, e no Brasil? O estudo Innovation 1000 revela uma situação ainda pouco animadora. Os números do ranking da Booz & Company mostram o País numa situação pouco compatível com seus avanços econômicos mais recentes, que o colocaram no posto de sexta maior economia do globo. O Brasil aparece em 17º lugar na relação de países com empresas que mais investem em P&D. E apenas cinco empresas, entre as mil listadas no estudo da Booz & Company, são brasileiras. A primeira posição entre as verde-amarelas cabe à Petrobras, na 119ª colocação.
Ainda que o investimento não seja o principal fator determinante para alcançar a capacidade de inovar, é pouco provável que grandes empresas brasileiras possam se comparar a outras no mundo sem dedicar recursos específicos para tal. No caso da Petrobras, é fácil imaginar todo ciclo de investimentos em pesquisa e desenvolvimento que serão necessários para viabilizar técnica e economicamente a exploração da camada do pré-sal. Sem contar toda cadeia de desenvolvimento que virá a reboque da exploração em águas profundas, que certamente melhorará nossa posição no mundo como país inovador, e colocará a Petrobras em condição de liderança tecnológica nesta especialidade.
Outro recorte interessante nos dados do estudo da Booz & Company é voltar alguns anos atrás e verificar quantas empresas brasileiras constavam desta lista. O dado é chocante: em 2005, apenas três empresas brasileiras apareciam entre as mil principais, e a Petrobras já estava lá. E, nestes sete anos, somente duas novas empresas brasileiras entraram no ranking.
Se extrapolarmos os dados do estudo, podemos assumir que as empresas brasileiras estão investindo mais e consistentemente para desenvolver suas capacitações e processos de inovação. Esta tendência, ainda que recente, deve continuar e melhorar a posição e os resultados das empresas brasileiras frente à inovação empresarial.
Independentemente dos valores investidos, que também crescerão no ranking seguindo o crescimento e inserção das empresas brasileiras no comércio global, nossa atenção se volta a investigar e entender como um país com longo histórico de grandes inventores ou inovadores do seu tempo — Santos Dumont, do avião, e Padre Landell de Moura, do rádio, para citar apenas dois —, pode recuperar seu destaque no seleto grupo de países com empresas inovadoras no cenário mundial? Que papel teriam as empresas nacionais na atualidade, para a construção desta nova história?
A trajetória de inovação por empresas brasileiras é longa, com inúmeros exemplos que acompanharam o desenvolvimento econômico do País em seus diversos ciclos. De forma simplificada, é possível dizer que as inovações brasileiras nasceram e foram sempre muito associadas às necessidades locais específicas. Neste conjunto cabe tudo aquilo que surgiu em solo brasileiro por falta de alternativas melhores, ou que melhor se adaptassem às nossas condições geográficas, climáticas, culturais e socioeconômicas. Neste último quesito, o Brasil experimentou inovações relevantes para o mundo e chegou a servir de referência em modelos de atendimento aos chamados consumidores da base da pirâmide. Até mesmo a agenda de grandes companhias multinacionais incorporaram aprendizados e uso de tecnologias desenvolvidas nas suas filiais brasileiras.
Vários setores econômicos hoje reconhecidamente desenvolvidos no Brasil têm a origem de seus avanços associada às condições de contorno peculiares em que se encontraram por anos. Entre os exemplos, podemos citar o setor bancário, a produção audiovisual e a indústria aeronáutica.
No extremo oposto, muita inovação foi desenvolvida no Brasil a partir da disponibilidade local de insumos e recursos naturais. Em muitos casos, a abundância de algum insumo específico, por vezes único, acabou por ser determinante nos processos de inovação. Os casos mais evidentes de desenvolvimento a partir deste fator foram os avanços alcançados nas cadeias de produção agrícola. Ao mesmo tempo que as condições naturais brasileiras limitaram a simples adoção de técnicas agrícolas já pesquisadas e desenvolvidas em outras regiões do mundo por não se adaptarem perfeitamente aqui como em outros países, elas também disponibilizaram um arsenal valioso para as inovações no campo. E foi a partir daí que muito foi investido e pesquisado para que atingíssemos a situação atual. O chamado agronegócio é hoje uma das áreas de destaque da inovação brasileira, com avanços tecnológicos importantes, seja no uso de energias renováveis, seja nos métodos de produção de alimentos.
Com base nestes e em diversos outros exemplos, é possível afirmar que o Brasil tem o requisito fundamental para permitir às empresas brasileiras inovar em suas áreas de atuação: a qualidade do talento local. E mais: no atual contexto de desenvolvimento da economia no mundo, é fato que existe uma preocupação crescente das empresas brasileiras com a inovação.
Então por que as empresas brasileiras investem tão pouco em P&D?
Poderíamos elencar uma lista longa de fatores estruturais associados à educação e formação dos profissionais brasileiros, que, a despeito de seu talento, são o embrião de qualquer explicação deste fenômeno no Brasil. A lista continuaria com algumas questões conjunturais, ligadas à enorme burocracia local, complexidade dos mecanismos de incentivos, até a pesada carga tributária que consome recursos potenciais das empresas que poderiam ser destinados a esta finalidade. Finalmente, a lista estaria completa com questões mais profundas sobre a cultura do empresário local, sua visão de mundo, seus valores e orientações. O dilema entre ganhar dinheiro no curto prazo versus gerar valor no longo prazo é, com exceções, algo que de fato consta da agenda da maioria das empresas brasileiras.
Com isso, a explicação fácil, e até certo ponto a desculpa local aceita e utilizada por todos para justificar o baixo nível de investimento em P&D nas empresas brasileiras, teria três principais fatores:
Visão orientada para o curto prazo: histórico de instabilidade econômica fazia com que as empresas fossem orientadas para o curto prazo, não favorecendo os investimentos em P&D que tipicamente trazem resultados de mais longo prazo.
Baixa qualificação da mão de obra: nível educacional relativamente baixo comprometendo a formação de pesquisadores em quantidade adequada.
Falta de incentivos adequados para aumentar a quantidade e qualidade das pesquisas nas universidades e para parcerias entre empresas e universidades.
É fato que algumas condições do ambiente de negócios brasileiro são altamente restritivas e precisam mudar para permitir a segurança legal dos investimentos e, principalmente, dos resultados atingidos com eles. Em particular, o arcabouço legal para proteção de propriedade intelectual no Brasil é uma área de preocupação. Caso não avance neste sentido, o Brasil pode começar a perder espaço importante em setores-chave para inovação.
Este contexto, no entanto, não impede que algumas empresas realmente façam a diferença em seus mercados com inovações desenvolvidas no Brasil. E mais importante: a recente consolidação da estabilidade econômica brasileira e a globalização (e, por consequência, da intensidade competitiva) deverão fazer com que as empresas brasileiras sejam forçadas a olhar mais para o longo prazo. Com isso, os investimentos em inovação deverão ser impulsionados.
Sete áreas de atenção
Assim, queremos chamar a atenção para o que as empresas podem, e devem, fazer para melhorar sua orientação à inovação, e não ao que precisa mudar nos mecanismos de incentivo do governo, nas questões regulatórias, ou qualquer outro aspecto do ambiente de negócios.
Nossas pesquisas ao longo de anos no tema inovação e nossa experiência assessorando empresas líderes pelo mundo para se capacitarem a inovar mostram que existem sete áreas principais em que as empresas brasileiras devem avançar para estruturar seus processos de inovação e desenvolver plenamente suas capacitações para inovar:
1. Planos de inovação baseados na estratégia de negócios. Empresas que apresentam as melhores práticas definem seus orçamentos de inovação de forma top-down, baseadas na visão de longo prazo de seus portfólios e objetivos estratégicos.
2. Gestão de portfólio de P&D. Só uma gestão rigorosa do portfólio de P&D garante que as alocações de recursos estejam alinhadas com as decisões de portfólio.
3. Arquitetura de produtos. São viabilizadores fundamentais para uma efetiva plataforma estratégica de inovação.
4. Processos de desenvolvimento de produtos. Para serem efetivos, devem enfatizar a tomada de decisão, fluxo de informações e padronização.
5. Métricas. Um conjunto consistente de métricas de inovação gera transparência e garante responsabilidade pelos resultados.
6. Cultura/DNA. Uma cultura corporativa que apoie e estimule a inovação é fundamental.
7. Ferramentas e sistemas. É preciso criar instrumentos para viabilizar e facilitar o desenvolvimento e lançamento de novos produtos.
Ou seja, por mais complexo que possa parecer, é possível criar as condições por meio de métodos, processos, sistemas, metas, etc., para que empresas sejam mais inovadoras. O caminho é árduo e exige mais transpiração do que inspiração.
Fernando Fernandes é vice-presidente da prática de bens de consumo e varejo da Booz & Company para a América do Sul. Tem MBA pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ) e é graduado em engenharia mecânica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Roberto Leuzinger é vice-presidente da prática de bens de consumo e varejo da Booz & Company para a América do Sul. Tem MBA pela University of Illinois at Urbana-Champaign e é graduado engenheiro elétrico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC – Rio).
FONTE: Revista Harvard Business Review Brasil - Edição Maio 2012